From discourse to grammar: the relationship
between usage and structure
Edvaldo Balduino BISPO
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
edvaldo.bispo@ufrn.br
Sávio André de Souza CAVALCANTE
Universidade Estadual do Ceará
savio.cavalcante@uece.br
Violeta Virginia RODRIGUES
Universidade Federal do Rio de Janeiro
violeta.rodrigues@letras.ufrj.br
http://dx.doi.org/10.22168/2237-6321-12682
ii
XXXXX
O entendimento de que a gramática das línguas naturais se
configura com base nos usos linguísticos em práticas interacionais é
compartilhado por um conjunto de pesquisadores associados a diferentes
vertentes funcionalistas. Para Givón (1995), por exemplo, a estrutura
gramatical resulta da rotinização de usos linguísticos bem-sucedidos em
eventos interacionais específicos. Halliday (1985), por sua vez, defende o
caráter “natural” da gramática funcional, no sentido de que nela tudo pode
ser explicado em termos dos usos linguísticos. Assume, pois, que os usos da
língua, efetivamente, dão forma ao sistema. Conforme Dik (1989), as
expressões linguísticas que integram qualquer sistema (língua) devem ser
descritas e explicadas em termos de um quadro geral do sistema
pragmático de interação verbal.
Em texto clássico do Funcionalismo norte-americano, From
discourse to syntax: grammar as a processing strategy (1979a), Talmy Givón,
sob influência das descobertas de Sankoff e Brown acerca das orações
relativas no Tok Pisin, apresenta uma investigação que relaciona discurso e
sintaxe, e conclui que a sintaxe das línguas humanas existe em razão de
funções que a estrutura desempenha. Nessa direção, a sintaxe não seria
uma entidade autônoma, mas estreitamente relacionada à semântica e à
pragmática e delas dependente. Conforme encontramos em Dik (1978), a
pragmática é a moldura dentro da qual a semântica e a sintaxe devem ser
estudadas. A semântica é dependente da pragmática, de modo que esta
governa aquela e ambas impactam a sintaxe. Tomadas em uma perspectiva
hierárquica, teríamos a pragmática, a semântica e a sintaxe. Assim é que, por
exemplo, intenções, conhecimento de mundo, conhecimento partilhado,
inferências, vinculados a eventos comunicativos em que se engajam os
humanos, semantizam-se (adquirem determinados significados) e são
codificados em padrões sintáticos, os quais se constituem via
rotinização/ritualização de usos linguísticos.
Na obra seminal On understanding grammar, Givón (1979b)
apresenta evidências, de base sincrônica e diacrônica, em favor da defesa de
que a constituição da gramática revela a trajetória do discurso à sintaxe, ou
seja, vai do modo pragmático para o sintático. O linguista destaca que essa
trajetória envolve perdas e ganhos: por um lado, o modo pragmático é
analítico e lento, logo menos econômico; por outro lado, ele tem alto grau
de fidelidade comunicativa, uma correlação um-a-um entre código e
mensagem; o modo sintático, por sua vez, é mais econômico, envolve
automatização de processamento (ganha-se, portanto, em economia);
entretanto, perde em resolução, que na sintaxe a correlação entre forma
e conteúdo é tipicamente menor que 100% (ou seja, perda comunicativa).
O modo sintático, dessa forma, é usado somente quando outros parâmetros
iii
que governam a situação comunicativa tornam possível compensar tal
perda. Ou seja, a gramática das línguas naturais está sujeita a pressões
competidoras (HAIMAN, 1980, 1985), ora atendendo a demandas de rapidez
e economia, ora primando pela expressividade, clareza, de forma a garantir
a eficiência comunicativa.
As discussões e achados de Givón (1979b) representam a base da
visão funcionalista sobre a constituição da gramática. Os estudos acerca de
fenômenos linguísticos sob esse viés teórico assentam-se na premissa de
que a língua é um código a serviço da comunicação e, em decorrência dessa
premissa, esses estudos assumem que tais fenômenos refletem, em algum
grau, diferentes valores e intenções comunicativas construídos no uso real
da língua. Nas palavras de Votre e Naro (1989), a estrutura (ou forma da
língua) é uma variável dependente, resultante de regularidades das
situações em que se fala. Com efeito, uma das ideias centrais da abordagem
funcionalista é a de que as estruturas das línguas são fortemente
contingenciadas por suas funções (semântico-cognitivas e discursivo-
pragmáticas), segundo nos lembram, entre outros, Martelotta (2011), Furtado
da Cunha e Bispo (2013), Bispo e Lopes (2022). Para um funcionalista,
pesquisar a gramática de uma língua implica compreender e descrever o
valor funcional (em termos comunicativos e de estrutura informacional, por
exemplo) das diversas unidades estruturais existentes nessa gramática. A
ênfase está, portanto, na relação entre forma e função.
Circunscrito nesse contexto teórico, este volume reúne trabalhos
associados a diferentes vertentes funcionalistas, cujo objetivo principal é
homenagear a linguista Maria Beatriz Nascimento Decat, que se aposentou
como professora de Linguística da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), onde atuou e atualmente atua como professora voluntária. Por que
um número da Entrepalavras dedicado à Beatriz Decat? Eis a pergunta que
muitos desavisados poderiam fazer, mas o público a que se destina esta
edição e seus autores/colaboradores sabem muito bem a resposta. Portanto,
essa é uma pergunta retórica, mas, mesmo assim, vamos respondê-la, para,
mais uma vez, prestarmos nossa homenagem a uma Colega e Profissional
que muito tem contribuído para os estudos linguísticos, principalmente no
âmbito da conexão de orações.
Beatriz é pioneira na visão de que as relações entre as orações
extrapolam o nível sentencial e se estendem para além dele. Sua opção
teórica atual, a Teoria da Estrutura Retórica (Rhetorical Structure Theory) -
RST, inclusive, comprova essa premissa. Desde sua tese de doutorado (Leite
com manga, morre: da hipotaxe adverbial no português em uso, 1993), essa
ideia aparece. Também não podemos deixar de mencionar seu estudo
iv
XXXXX
pioneiro, aqui no Brasil, sobre as estruturas desgarradas (cf. DECAT, 2011;
DECAT et al., 2021).
Neste volume da Entrepalavras, o leitor encontrará trabalhos de
autores que conviveram com a nossa homenageada e com seus estudos
como também de autores que, sem a conhecerem pessoalmente e
desfrutarem de sua preciosa amizade, adotaram-na como referência para
suas pesquisas. Importante frisar esse aspecto, pois Beatriz é referência
tanto para trabalhos sobre desgarramento quanto sobre a RST.
Os quinze artigos que integram o dossiê foram reunidos
consoante a premissa de que o discurso molda a gramática e, por isso,
partimos do nível macroestrutural para o microestrutural. Assim, os estudos
foram ordenados procurando seguir a lógica de iniciar pelos temas mais
gerais para chegar aos mais específicos, ou seja, procurando fazer o percurso
discurso, texto, sentença.
O primeiro texto é o de Maria Helena de Moura Neves, que nos
deixou um pouco depois de ter submetido o artigo intitulado As interfaces
da língua em uso. Um tratamento funcionalista da entidade “oração”
.
Nele, a pesquisadora apresenta uma perspectiva de oração não restrita à
sintaxe, mas, em suas próprias palavras, uma visão que busca "lançar o olhar
para a oração em sua função de peça nuclear da produção discursiva,
centrada no processo de predicação" (NEVES, 2023, p. 3-4). Evidencia-se,
portanto, a premissa tão cara ao Funcionalismo de que Sintaxe, Semântica
e Pragmática são componentes integrados, não autônomos, mas
interdependentes. Em outras palavras, é a interação, mediada pelo texto,
que determina a estrutura oracional.
Pensando a oração como "mensagem", a autora entende que, por
exemplo, o posicionamento dos elementos interage com as distintas
modalidades de frases e com o engajamento intersubjetivo. Em outro nível,
enxergando como a oração se arranja em função da condução interlocutiva
do texto, nota-se que, por exemplo, a escolha de perguntas indiretas no
lugar de perguntas diretas serve ao texto e à sua condução argumentativa.
em outra perspectiva, a semântica, analisam-se manifestações de vozes
verbais, não sem relacioná-las às pressões discursivo-textuais.
André Vinicius Lopes Coneglian e Juliano Desiderato Antonio
assinam o artigo Estrutura retórica, combinação de orações, estruturas
desgarradas: revisitando contribuições de Beatriz Decat para estudos
funcionalistas. Considerando associações entre porções discursivas, relações
entre sentenças e manifestações das cláusulas no uso, os autores abordam
Agradecemos ao Prof. Dr. Juliano Desiderato Antonio (UEM), que auxiliou a Profa. Maria Helena desde
a etapa de submissão do texto até as etapas subsequentes de editoração, estas últimas após o
falecimento da pesquisadora.
v
como esses temas, defendidos por Beatriz Decat, observam-se na análise de
dados. De início, os pesquisadores destacam o pioneirismo da
homenageada na aplicação, no Brasil, da RST (MANN; THOMPSON, 1983;
MANN; THOMPSON, 1988), no uso da teoria funcionalista associada à
articulação de orações e na proposição do conceito de orações desgarradas.
Coneglian e Antonio mostram que Decat, apoiada principalmente em
Halliday (1985) e em Matthiessen e Thompson (1988), questionou o rótulo de
subordinada dado às adverbiais, com base, principalmente, no critério do
(não)encaixamento e investigou as funções dessas estruturas no discurso.
No que tange à aplicação da RST, teoria que analisa a emergência
de relações retóricas a partir da combinação entre as orações, Decat foi,
como dissemos, pioneira desses estudos no Brasil. O trabalho da autora com
a RST rendeu-lhe bons frutos: publicações de livros, capítulos de livros e
artigos científicos, apresentações de trabalhos, além de orientações de
dissertações de Mestrado e teses de Doutorado.
Em relação às estruturas desgarradas, os autores as exemplificam
por meio não de estruturas hipotáticas, mas também de estruturas
encaixadas e de estruturas sintagmáticas, apresentando o processo em
amplo espectro. Coneglian e Antonio lembram que, para a homenageada, o
desgarramento se expressa como uma opção organizacional, em que uma
oração subordinada/dependente se manifesta de maneira contrária à sua
natureza, ou seja, ocorre "solta".
Encarecendo ainda mais o assunto das determinações
pragmáticas na estrutura linguística, Roberto Gomes Camacho e Erotilde
Goreti Pezatti, no estudo Constituintes extraoracionais e sua ordenação
linear, traçam um mapeamento desses elementos na linearidade discursiva,
caracterizando-os, segundo descrição operada por Dik (1997a, 1997b). Indo
além, os autores os entendem como “Atos Discursivos no exercício de
funções retóricas" (CAMACHO; PEZATTI, 2023, p. 40), o que torna possível
estabelecer um paralelo entre os princípios da Gramática Discursivo-
Funcional (GDF) e a Teoria da Estrutura Retórica (RST). No que diz respeito a
esta última, os autores fazem remissão direta às pesquisas desenvolvidas
pela homenageada.
Aproxima as duas teorias a aceitação das relações entre porções
ou Atos Discursivos de um texto, além dos efeitos discursivos causados. Por
outro lado, a aceitação da RST de que relações retóricas não sinalizadas
na superfície textual se contrapõe à GDF, no sentido de que as funções
retóricas carecem de alguma codificação morfossintática ou fonológica. O
diálogo entre as duas teorias mostra, por exemplo, que dois Atos Discursivos
equipolentes da GDF podem representar um esquema multinuclear na RST,
e casos em que a GDF analisa como um Ato Discursivo nuclear e outro
vi
XXXXX
subsidiário são interpretados como expressões de uma relação núcleo-
satélite na ótica da RST. Concluem os linguistas que, segundo a GDF e a RST,
como os Constituintes Extraoracionais não fazem parte do Ato Discursivo
Nuclear, sua posição dentro da Expressão Linguística, na perspectiva da
GDF, não pode ser determinada por diferenças de escopo funcional, seja
interpessoal seja representacional" (CAMACHO; PEZATTI, 2023, p. 59).
Um segundo bloco de artigos focaliza as relações oracionais
estabelecidas em gêneros textuais e em funções textual-discursivas de
padrões oracionais. Em primeiro lugar, Adriana Cristina Lopes Gonçalves
Mallmann, no trabalho A justaposição em propagandas: uma análise
semântica, pragmática e semiótica, considera que esse processo sintático
serve bem às demandas comunicativas do gênero em questão. Retomando
Decat (2001), Mallmann vale-se da relação semântica instaurada pelas
justapostas, a despeito de não haver conexão explícita entre as orações. O
caráter de satélite dessas orações e o conteúdo circunstancial que
comumente veiculam estabelecem, além dos demais recursos semióticos e
pragmáticos das propagandas, relações de sentido que contribuem para a
emergência dos efeitos discursivos do gênero em foco. Com base teórica
assentada principalmente nos parâmetros da Gramática do Design Visual
(KRESS; VAN LEEUWEN, 2006[1996]) e no mapa cognitivo das afinidades
semânticas (KORTMANN, 1997), a autora conclui que "a presença de
contextualização, a ausência de relação de poder e as informações mais reais
certamente auxiliam no engajamento do leitor, uma vez que esse é
convidado a interagir com o texto" (MALLMANN, 2023, p. 76).
Ainda tratando dos efeitos discursivos das estruturas oracionais
nos gêneros da esfera publicitária, Rosane Cassia Santos e Campos, no artigo
Multimodalidade e as estruturas desgarradas em anúncios publicitários:
uma estratégia para favorecer a sedução, apresenta uma análise do
desgarramento, de SN ou de orações, nesse gênero textual. Amparada em
Decat (2004, 2011), Halliday e Hasan (1989) e também em Kress e Van
Leeuwen (2006), a autora hipotetiza que esse padrão discursivo é
extremamente propício ao desgarramento, asseverando a força
argumentativa daquele. Com base na análise empreendida, conclui a autora
que "a multimodalidade, associada ao desgarramento, tem muito a
contribuir para que as magias de sedução carregadas pelos anúncios sejam
ainda mais evidenciadas (CAMPOS, 2023, p. 95).
Gustavo Ximenes Cunha, no estudo A pergunta no gênero
entrevista com presidenciável: articulando gramática, texto e contexto,
defende a associação de tais elementos no sentido de que o contexto (mais
amplo e mais específico) impacta a manifestação das perguntas de
jornalistas a candidatos à presidência da República. Argumenta o autor que
vii
as perguntas nem sempre visam à obtenção de informações, mas podem
ser um meio para expressar outras ões, entre as quais estão ameaçar,
intimidar, elogiar etc. O pesquisador constatou dois tipos de perguntas: as
que iniciam trocas e as que não iniciam trocas de turno. O primeiro caso
refere-se àquelas centradas em um novo tópico, enquanto o segundo
destaca as reformulações da pergunta em cuja troca fora iniciada.
Percebeu-se que o primeiro grupo de perguntas é o mais complexo, que
se inicia com explicação e desenvolvimento de um tópico antes de se
enunciar a pergunta. Quanto ao segundo grupo, que se manifesta em
turnos menos complexos, uma "concentração elevada de recursos
verbais (...) com que o jornalista assume uma postura confrontacional ou
antagônica em relação ao entrevistado e reivindica uma primazia
epistêmica em relação a este" (CUNHA, 2023, p. 117).
Funções textual-discursivas da aposição encapsuladora é
assinado por Rosângela do Socorro Nogueira de Sousa e Márcia Teixeira
Nogueira. Apoiadas, principalmente, na GDF, de Hengeveld e Mackenzie
(2008), as autoras analisam o chamado aposto de oração, adotando como
corpus artigos de opinião do jornal Folha de São Paulo, a fim de mostrar,
como o próprio título sugere, as funções textual-discursivas da aposição
nesse gênero. Além da GDF, Quirk et al. (1985), Meyer (1992), Hannay e Keizer
(2005), Keizer (2015) e Decat (2010, 2011, 2021) servem de aporte teórico desse
estudo. Centrando-se na aposição encapsuladora, as autoras mostram que
suas funções podem variar conforme as orientações almejadas por quem as
produz. À função básica de Adendo, são acrescentadas as específicas de
Explicação e Avaliação, Desdobramento, Constatação/Ratificação e
Conclusão.
Elementos de conexão é tema do terceiro bloco de textos, iniciado
com o texto de Simone Josefa da Silva, no trabalho “Com isso” e “com isto”:
uma análise funcional centrada no uso. A autora observa que a primeira
construção é mais produtiva no português brasileiro; a segunda, no
português europeu. Para o estudo, são tomadas ocorrências extraídas do
Corpus Now, do site Corpus do Português, disponível em
www.corpusdoportuguês.org. A análise comparativa das duas construções
ancora-se nos pressupostos teóricos da Linguística Funcional Centrada no
Uso, da Linguística Sistêmico Funcional e da Linguística do Texto, visando a
mostrar o comportamento de conector dessas construções. Os resultados
revelam, no que diz respeito às similaridades entre os conectores, que a
maior produtividade dessas construções reside na conexão entre períodos,
embora também possam atuar na conexão de orações e parágrafos. Além
disso, seus elementos constituintes atendem a movimentos prospectivos e
retrospectivos. Esses elementos também são considerados polissêmicos e
viii
XXXXX
polifuncionais. Quando se trata das características que lhes são inerentes de
maneira particular, menciona-se a aludida produtividade de [com isso] e seu
valor típico de consequência, em função conectiva. Em contrapartida, [com
isto] seria mais frequente no Português de Portugal, com valor de
elaboração, funcionando como termo da oração.
Nice da Silva Ramos, no artigo intitulado Estudo funcional sobre a
microconstrução [sabe (-se) que] como conector na língua portuguesa
contemporânea, delineia, também com base no corpus Now, o escopo de
atuação da microconstrução [sabe (-se) que]. Fundamenta o trabalho na
Linguística Funcional Centrada no Uso associada à Gramática de
Construções. Segundo a autora, em sua análise, foram levados em conta os
aspectos linguísticos e extralinguísticos, bem como a semântica e a
pragmática. Ao final da investigação, a pesquisadora concluiu que a
construção em foco, em sua função conectora, relaciona as partes de um
texto e, servindo à intersubjetividade, é utilizada com valor apreciativo ou
depreciativo.
Diogo Oliveira da Silva e Joceli Catarina Stassi-Sé, no trabalho
Construções encabeçadas por “como” no português, em variedade
lusófona, evidenciam as propriedades discursivas, pragmáticas e
morfossintáticas dessas construções, além de seu estatuto interpessoal e
morfossintático. Assim como outros trabalhos deste dossiê, adotam a GDF
como modelo teórico. Os autores apontam “a tendência dessas construções
operarem discursivamente, independentemente do tradicional valor
semântico atribuído ao como em estudos” (SILVA; STASSI-SÉ, 2023, p. 186) de
cunho mais gramatical. Em relação ao Nível Interpessoal, explicam os
autores que as construções com "como" exercem função de monitoramento
da interação (Função Resgate e Função Meditativa), gerando o cenário
interacional-discursivo, com foco nos participantes. Acerca do Nível
Morfossintático, as ocorrências dessas construções, codificadas como
Expressões Linguísticas, são analisadas como unidades independentes.
No quarto e último bloco temático, os textos se agruparam tendo
em vista seu foco em relações semânticas, a saber: oposição/contraste,
condição e finalidade. Inicialmente, Amanda Krüger Cardoso de Freitas,
Leosmar Aparecido da Silva e Mirian Santos de Cerqueira, no estudo O
fenômeno da oposição em cláusulas coordenadas e subordinadas no
ensino de português, analisam estas estruturas em gramáticas descritivas, o
tratamento a elas dispensado na BNCC e em um livro didático. Visando a
contribuir para um ensino mais produtivo de língua portuguesa, mostram a
inter-relação entre as orações coordenadas adversativas e as subordinadas
concessivas, identificando que a BNCC recomenda que se trabalhem os
efeitos de sentido dessas orações sem necessariamente tratar da relação de
ix
sentido entre ambas. Segundo os teóricos trazidos à discussão no texto, as
cláusulas em foco apresentam diferenças pragmáticas e argumentativas
entre si, aspectos que podem ser levados à sala de aula. No entanto, o livro
didático analisado pelos autores do texto em questão trata apenas
tangencialmente da relação entre esses tipos oracionais. Por isso, Freitas,
Silva e Cerqueira advogam uma abordagem didática mais aprofundada
dessas relações, com destaque para aspectos discursivos e argumentativos.
Nilza Barrozo Dias, no artigo Construções contrastivas com
“enquanto que” e sendo que”, mostra que esses conectores fazem uma
extensão da rede contrastiva. A autora defende “um esquema muito amplo
[X- QUE conector], sendo o X representado na fonte, pela conjunção adverbial
enquanto e pelo elemento verbal sendo, que apontam, respectivamente,
tempo simultâneo e em curso (DIAS, 2023, p. 223), compondo, junto com o
que, um chunk de valor contrastivo. Ampara-se em pressupostos da
Linguística Baseada no Uso, consoante Bybee (2016) e Diessel (2017). Além
de revelar que as construções em análise apresentam características de
contraste similares às do mas, os resultados da pesquisa da autora apontam
o uso de enquanto que também na comparação, e o de sendo que na
restrição parcial e na gradação.
Leyla Ely e Maria Maura Cezario, no trabalho [Vai que] e a
condicionalidade: uma análise baseada no uso, abordam, à luz da
Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU), usos da construção [vai que]
no Corpus do Português, aba Web-dialetos. Com o fito de analisar as
motivações do uso de [Vai queconect (SUJ) + SV] por parte dos falantes, as
autoras identificaram neste corpus usos mais fixados, com funções ligadas
à conexão de orações, com valor relacionado ao domínio da
condicionalidade, além de outros mais livres, com valor de marcador
epistêmico. Segundo as pesquisadoras, a construção em análise
convencionalizou-se como operador argumentativo e/ou marcador de
epistemicidade e, ligando-se ao domínio da condição, pode apresentar
nuances de suposição, possibilidade e hipótese. A investigação também
revelou usos mais lexicalizados surgidos a partir de realizações como “Vai
que cola”, “Vai que rola” e “Vai que dá”.
Maria Julia Bernardo Comarim e Flávia Bezerra de Menezes Hirata
Vale, no estudo A expressão de desejos em construções condicionais
insubordinadas com “se ao menos”, analisam, em pesquisa qualitativa, as
construções condicionais insubordinadas (CCI) introduzidas por “se ao
menos”, advindas do Corpus do Português. De acordo com Evans (2007),
insubordinadas são construções que apresentam marcas de subordinação,
mas ocorrem sintática, semântica e pragmaticamente de forma
independente. As autoras se valem dos parâmetros de condicionalidade de
x
XXXXX
Dancygier (1998) e da classificação funcional de D’Hertefelt (2015) para esse
tipo de construção nas línguas germânicas. Nessas construções, emerge o
valor de desejo, formalmente marcado pelo imperfeito do subjuntivo. O
trabalho revela que as CCI mantêm, em relação ao sentido condicional,
apenas os parâmetros de não-assertividade e construção de espaços
mentais hipotéticos. Os demais (predição, sequencialidade e causalidade)
são perdidos, embora o último, discursivamente, possa ser visto como uma
sugestão que a CCI permite interpretar.
Encerrando o dossiê, Ivo da Costa do Rosário e Marcello Martins
Machado, no artigo Análise do conector [atrás de] uma visão funcional
centrada no uso, analisam usos de [atrás de] como articulador de orações
em Língua Portuguesa. Com dados coletados do Corpus do Português, os
autores evidenciam, baseando-se no aporte teórico da LFCU, que [atrás de]
é um conector híbrido, servindo à complementação circunstancial e à
hipotaxe de finalidade. Das ocorrências analisadas, a grande maioria indicia
a conexão de termos, enquanto as demais apontam ou para uso autônomo
dos elementos atrás e de ou para um uso relacionado à conexão oracional.
Observando detidamente este último uso, percebe-se, segundo os autores,
a força da metáfora, da neoanálise e do chunking, que favorecem o
recrutamento desse conector, ainda não prototípico.
Como se nota, há uma gama de estudos muito diversificada neste
volume, cujo elo é a homenageada e sua linha teórica principal - o
Funcionalismo - em suas mais diferentes facetas. Os artigos que compõem
este volume da Entrepalavras buscam, em torno da homenagem à
professora Beatriz Decat, valorizar a linguagem em uso e seus efeitos
discursivos e argumentativos. Esses temas foram muito bem desenvolvidos
ao longo da trajetória da professora e pesquisadora, por meio de suas
investigações, aulas, palestras, parcerias e orientações. Neste dossiê,
atrelado ao contexto de cunho laudatório à docente, os temas que tanto lhe
interessam são revisitados e amplificados, revelando a adaptabilidade da
língua às vicissitudes do discurso e o avanço das pesquisas na seara
funcionalista. Esperamos que você, leitor/professor/pesquisador/estudante,
encontre aqui estímulo para enveredar por esses caminhos e/ou por outros
afins, o que também pode ser muito proveitoso para o avanço da ciência
linguística. Que a leitura fomente outras/novas interlocuções!
xi
REFERÊNCIAS
BISPO, E. B.; LOPES, M. G. Linguística Funcional Centrada no Uso: teoria, método e
aplicação. Revista Odisseia, v. 7, n. Especial, p. i-x, 2022.
BYBEE, J. Língua, uso e cognição. São Paulo: Cortez, 2016.
CAMACHO, R. G.; PEZATTI, E. G. Constituintes extraoracionais e sua ordenação
linear. Entrepalavras, Fortaleza, v. 13, n. 1, p. 38-62, 2023.
CAMPOS, R. C. S. e. Multimodalidade e as estruturas desgarradas em anúncios
publicitários: uma estratégia para favorecer a sedução. Entrepalavras, Fortaleza, v.
13, n. 1, p. 79-96, 2023.
CUNHA, G. X. A pergunta no gênero entrevista com presidenciável: articulando
gramática, texto e contexto. Entrepalavras, Fortaleza, v. 13, n. 1, p. 97-122, 2023.
DANCYGIER, B. Conditionals and prediction. Cambridge: Cambridge University
Press, 1998.
DECAT, M. B. N. A articulação hipotática adverbial no português em uso. In:
DECAT, M. B. N; SARAIVA, M. E. F; BITTENCOURT, V. O; LIBERATO, Y. G. Aspectos
da Gramática do Português: Uma abordagem funcionalista. Campinas: Mercado
de Letras, 2001. p. 103-166.
DECAT, M. B. N. Orações relativas apositivas: SNs ‘soltos’ como estratégia de
focalização e argumentação. Veredas, v. 8, n. 1-2, p. 79-101, jan./dez. 2004.
DECAT, M. B. N. Relações retóricas e funções textual-discursivas na articulação de
orações no português brasileiro em uso. Calidoscópio, [S. l.], v. 8, n. 3, p. 167173,
2010. Disponível em:
https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/412. Acesso em: 9
dez. 2022.
DECAT, M. B. N. Estruturas Desgarradas em Língua Portuguesa. Campinas:
Pontes Editores, 2011.
DECAT, M. B. N. O tratamento das estruturas desgarradas em português: uma
trajetória de pesquisa na língua em uso. In: DECAT, Maria Beatriz N. et al.
Desgarramento, subordinação discursiva e insubordinação: abordagens
funcionalistas. Campinas-SP: Pontes Editores, 2021. p. 15-43.
DECAT, M. B. N. et al. Desgarramento, subordinação discursiva e
insubordinação: abordagens funcionalistas. Campinas-SP: Pontes Editores, 2021.
D'HERTEFELT, S. Insubordination in Germanic: A typology of complement and
conditional constructions. Leuven, 2015.
DIAS, N. B. Construções contrastivas com “enquanto que” e “sendo que”.
Entrepalavras, Fortaleza, v. 13, n. 1, p. 223-244, 2023.
xii
XXXXX
DIESSEL, H. Usage-based linguistics. In: ARONOFF, M (ed.). Oxford Research
Encyclopedias. Oxford: Oxford University Press, 2017. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/320558018_Usage-based_linguistics.
Acesso em: 22 fev. 2023.
DIK, S. C. Functional Grammar. Dordrecht-Holland/Cinnaminson-EUA: Foris
Publication, 1978.
DIK, S. C. The theory of Functional Grammar, part 1: the structure of the clause. 2.
ed. Berlin and New York: De Gruyter Mouton, 1997a. 509 p.
DIK, S. C. The theory of Functional Grammar, part 2: complex and derived
constructions. Berlin and New York: De Gruyter Mouton, 1997b. 477 p.
EVANS, N. Insubordination and its uses. In: NIKOLAEVA, I. (ed.). Finiteness.
Theoretical and Empirical Foundations. Oxford: Oxford University Press, 2007. p.
366-431.
FURTADO DA CUNHA, M. A; BISPO, E. B. Pressupostos teórico-metodológicos e
categorias analíticas da linguística funcional centrada no uso. Revista do GELNE,
v. 15, n. 1/2, p. 53-78, 2013.
GIVÓN, T. From discourse to syntax: grammar as a processing strategy. In: GIVÓN,
T. Syntax and semantics. v. 12. New York: Academic Press, 1979a. p. 37-64.
GIVÓN, T. On understanding grammar. New York: Academic Press, 1979b.
GIVÓN, T. Functionalism and grammar. Amsterdan: John Benjamins, 1995.
HAIMAN, J. The iconicity of grammar: isomorphism and motivation. Language, v.
56, n. 3, p. 515-540, 1980.
HAIMAN, J. Natural syntax: iconicity and erosion. Cambridge: Cambridge
University Press, 1985.
HANNAY, M.; KEIZER, E. A Discourse Treatment of English Non Restrictive Nominal
Appositions in Functional Discourse Grammar. In: MACKENZIE, J. L.; GÓMEZ
GONZÁLES, M. de los Á. (org.). Studies in Functional Discourse Grammar. Bern:
Peter Lang, 2005. p. 159-194.
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to Functional Grammar. Baltimore: Edward
Arnold, 1985.
HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Language, Context, and Text: Aspect of Language
in a Social-semiotic Perspective. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 1989.
HENGEVELD, K.; MACKENZIE, J. L. Functional Discourse Grammar: a tipologically
based theory of language structure. New York: Oxford University Press, 2008.
KEIZER, E. A Functional Discourse Grammar for English: a textbook. Oxford:
Oxford Textbooks in Linguistics, 2015.
xiii
KORTMANN, B. Adverbial subordination. Berlin; New York: Mounton de Gruyter,
1997.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of visual design.
London; New York: Routledge, 2006 [1996].
MALLMANN, A. C. L. G. A justaposição em propagandas: uma análise semântica,
pragmática e semiótica. Entrepalavras, Fortaleza, v. 13, n. 1, p. 63-78, 2023.
MANN, W. C.; THOMPSON, S. A. Relational Propositions in Discourse. Los
Angeles: Information Sciences Institute, 1983.
MANN, W. C.; THOMPSON, S. A. Rhetorical Structure Theory: toward a functional
theory of text organization. Text, [s. l.], v. 8, n. 3, p. 243281, 1988.
MARTELOTTA, M. E. Mudança linguística: uma abordagem centrada no uso. São
Paulo: Cortez, 2011.
MATTHIESSEN, C.; THOMPSON, S. A. The structure of discourse and
‘subordination’. In: HAIMAN, J.; THOMPSON, S. (org.). Clause Combining in
Grammar and Discourse. Amsterdam/Philadelphia: J. Benjamins, 1988. p. 275329.
MEYER, C. F. Apposition in contemporary English. New York: Cambridge
University Press, 1992.
NEVES, M. H. de M. As interfaces da língua em uso. Um tratamento funcionalista
da entidade “oração”. Entrepalavras, Fortaleza, v. 13, n. 1, p. 1-17, 2023.
QUIRK, R. et al. A compreensive grammar of the english language. London/New
York: Longman, 1985.
SILVA, D. O. da; STASSI-SÉ, J. C. Construções encabeçadas por “como” no
português. Entrepalavras, Fortaleza, v. 13, n. 1, p. 186-202, 2023.
VOTRE, S. J; NARO, A. J. Mecanismos funcionais do uso da língua. D.E.L.T.A. São
Paulo, v. 5, p. 169-184, 1989.

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


URL da licença: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/deed.es

Entrepalavras © 2012. Todos os direitos reservados.
Av. da Universidade, 2683, Benfica, CEP 60020-180, Fortaleza-CE | Fone: (85) 3366.7629
Creative Commons License
Entrepalavras (ISSN: 2237-6321) está licenciada sob Creative Commons Attribution-NonCommercial 3.0.