A pergunta no gênero entrevista com presidenciável: articulando gramática, texto e contexto

Gustavo Ximenes Cunha

Resumo


Adotando o pressuposto segundo o qual gramática, texto e contexto são indissociáveis, propomos um estudo sobre a pergunta no gênero entrevista com presidenciável. Centrando-se no estudo da linguagem verbal, analisamos as perguntas realizadas pelos entrevistadores na entrevista concedida pelo então candidato à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Jornal Nacional, da Rede Globo, em 25 de agosto de 2022. Nosso objetivo central é o de estudar as funções que as perguntas realizadas pelos entrevistadores exercem nessa entrevista. Com base em contribuições teóricas de perspectivas funcionalistas e interacionistas, constatou-se que os entrevistadores, nas 34 perguntas identificadas, realizam dois tipos de perguntas: as que iniciam trocas e as que não iniciam trocas. As que iniciam trocas apresentam uma complexidade elevada, em razão do fato de que, nos turnos em que ocorrem, o jornalista alcança a completude pragmática por etapas, como explicação do tópico, desenvolvimento do tópico e, finalmente, realização da pergunta. Já as perguntas que não iniciam trocas constituem reformulações da pergunta inicial, aquela com que o jornalista iniciou a troca. Essas perguntas caracterizam-se por apresentar uma concentração elevada de recursos verbais com que o jornalista assume uma postura antagônica em relação ao entrevistado e reivindica uma primazia epistêmica em relação a este.


Palavras-chave


pergunta; entrevista com presidenciável; interação.

Texto completo:

PDF

Referências


AUER, P. Projection in interaction and projection in grammar. Text, v. 25, n. 1, p. 7-36. 2005.

BLAS ARROYO, J. L. La función de las preguntas en un discurso agonal: el debate electoral cara a cara. Discurso & Sociedad, v. 4, n. 4, 674-705, 2010.

BOISSAT, D. Questions de classe: question de la mise en scène, question de mise en demeure. In: KERBRAT-ORECCHIONI, C. La question. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1991, p. 263-294.

CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.

CLAYMAN, S. E. Reformulating the Question: a device for answering/not answering questions in news interviews and press conferences. Text, v. 13, n. 2, p. 159-188, 1993.

CLAYMAN, S. E.; HERITAGE, J. Question design as a comparative and historical window into president–press relations. In: HAAKANA, M.; LAAKSO, M.; LINDSTRÖM, J. (eds.) Talk in Interaction: Comparative Dimenstions. Helsinki: Finnish Literature Society (SKS), 2009, p. 299-315.

CLAYMAN, S. E.; HERITAGE, J. Question design and press-state relations: the case of U.S. presidential news conferences. In: PORSCHE, Y.; SCHOLZ, R.; SINGH, J. (eds.). Istitutionality: studies of discursive and material (re)ordering. Basingstone: Palgrave Macmillan, 2022, p. 301-332.

CUNHA, G. X. O papel dos conectores na co-construção de imagens identitárias: o uso do mas em debates eleitorais. ALFA, v. 61, p. 599-623, 2017.

CUNHA, G. X. Estratégias de impolidez como propriedades definidoras de interações polêmicas. DELTA, v. 35, n. 2, p. 1-28, 2019.

CUNHA, G. X. Para uma caracterização formal e funcional da troca subordinada de clarificação. DIACRITICA, v. 35, p. 207-228, 2021.

CUNHA, G. X.; DECAT, M. B. N. Por uma caracterização dos constituintes textuais desgarrados como comentários parentéticos à luz de uma perspectiva modular da organização do discurso. ALFA, v. 65, p. 1-26, 2021.

CUNHA, G. X.; OLIVEIRA, A. L. A. M. Teorias de im/polidez linguística: revisitando o estado da arte para uma contribuição teórica sobre o tema. ESTUDOS DA LÍNGUA(GEM), v. 18, p. 135-162, 2020.

DECAT, M. B. N. Funcionalismo e Gramática. In: DUARTE, L. P. (org.). Para Sempre Em Mim - Homenagem à Profª Ângela Vaz Leão. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 1999, p. 213-220.

DECAT, M. B. N. A relevância da investigação dos processos lingüísticos, numa abordagem funcionalista, para os estudos sobre os gêneros textuais. In: ANTÔNIO, J. D. (org.). Estudos descritivos do português: história, uso e variação. São Paulo: Claraluz, 2008, p. 169-191.

DECAT, M. B. N. Estrutura retórica e articulação de orações em gêneros textuais diversos: uma abordagem funcionalista. In: MARINHO, J. H. C.; SARAIVA, M. E. F. (orgs.). Estudos da língua em uso: da gramática ao texto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 231-262.

DECAT, M. B. N. Estruturas desgarradas em língua portuguesa. Campinas: Pontes editores, 2011.

DECAT, M. B. N. Uma abordagem funcionalista para o estudo de processos linguísticos em gêneros textuais do português em uso. Lingüística, v. 8, p. 229-247, 2012.

DECAT, M. B. N. A articulação de cláusulas na retextualização da fala para a escrita. GUAVIRA LETRAS, v. 15, n. 31, p. 49-60, 2019.

DREW, P. Epistemics in social interaction. Discourse studies, v. 20, n. 1, p. 163-187, 2018.

DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.

FARHAT, T. C.; GONÇALVES-SEGUNDO, P. R. A semântica das perguntas em português brasileiro: uma proposta sistêmico-funcional. Revista do GEL, v. 18, n. 2, p. 35-65, 2021.

FÁVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. C. V. O.; AQUINO, Z. G. O. O par dialógico pergunta-resposta. In: JUBRAN, C. C. A. S.; KOCH, I. G. V. (orgs.). Gramática do português culto falado no Brasil: construção do texto falado. Campinas: Editora Unicamp, 2006, p. 133-166.

FILLIETTAZ, L. Interactions verbales et recherche em éducation: príncipes, méthodes et outils d’analyse. Genebra : Université de Genève, Section des sciences de l’éducation, 2018.

FORD, C. E.; FOX, B. A.; THOMPSON, S. A. Practices in the construction of turns: the “TCU” revisited. Pragmatics, v. 6, n. 3, p. 427-454, 1996.

FOX, B. A.; THOMPSON, S. A. FORD, C. E.; COUPER-KUHLEN, E. Conversation Analysis and Linguistics. In: SIDNELL, J.; STIVERS, T. (eds.). The Handbook of Conversation Analysis. Oxford: Blackwell Publishing, 2013, p. 726-740.

GARFINKEL, H. Estudos de etnometodologia. Petrópolis: Vozes, 2018[1967].

GRICE, H. P. Logic and conversation. In: COLE, P.; MORGAN, J. L. (org.). Sintax and semantics. Speech acts. New York: Academic Press, 1975, p. 41-58.

HERITAGE, J. Epistemics in action: action formation and territories ok knowledge. Research on language and social interaction, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012.

HERITAGE, J. Action formation and its epistemic (and other) backgrounds. Discourse studies, v. 15, n. 5, p. 551-578, 2013.

HERITAGE, J.; RAYMOND, G. The terms of agreement: indexing epistemic authority and subordination in talk-in-interaction. Social Psychology Quarterly, v. 68, n. 1, p. 15-38, 2005.

HOPPER, P. Emergent grammar and the a priori grammar postulate. In: TANNEN, D. (ed.). Language in context: connecting observation and understanding. Norwood: Ablex, 1988, p. 117-134.

JACQUIN, J. A contrastive corpus study of a semantically neutral French evidential marker: tu dis/vous dites [P] [you say [P]] and its relationship with agreement and disagreement. Journal of Pragmatics, v. 199, p. 75-90, 2022.

JUBRAN, C. C. A. S. Metadiscurso em entrevista televisiva: um enfoque interacional. Scripta, v. 4, n. 7, p. 96-109, 2000.

JUBRAN, C. C. A. S.; KOCH, I. G. V. (orgs.). Gramática do português culto falado no Brasil: construção do texto falado. Campinas: Editora Unicamp, 2006.

KERBRAT-ORECCHIONI, C. (ed.) La question. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1991.

KONRAD, P. G.; OSTERMANN, A. C. "Tu sabe? Te lembra?": o resguardo de informações em interrogatórios policiais por meio da (com)posição de perguntas e respostas. Linguagem em (Dis)curso, v. 20, n. 1, p. 73-95, 2020.

MONDADA, L. A referência como trabalho interativo: a construção da visibilidade do detalhe anatômico durante uma operação cirúrgica. In: KOCH, I. G. V.; MORATO, E. M.; BENTES, A. C. Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, 2005, p. 11-32.

MONDADA, L.; DUBOIS, D. Construção dos objetos de discurso e categorização: uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (orgs.) Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003, p. 17-52.

MONZONI, C. M. Introducing direct complaints through questions: the interactional achievement of ‘pre-sequences’? Discourse Studies, v. 10, n. 1, p. 73-87, 2008.

OCHS, E.; SCHEGLOFF, E. A.; THOMPSON, S. A. (eds.) Interaction and grammar. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

ROULET, E. La description de l’organisation du discours. Du dialogue au texte. Paris, Didier, 1999.

ROULET, E.; FILLIETTAZ, L.; GROBET, A. Un modèle et un instrument d'analyse de l'organisation du discours. Berne: Peter Lang, 2001.

SANTOS, J. C. L. 2017. 203f. O par pergunta-resposta como estratégia de articulação tópica: uma análise funcional. Tese (Doutorado em Linguística) – Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017.

SCHEGLOFF, E. A. Sequence organization in interaction: a primer in Conversation Analysis I. Cambridge: Cambridge University Press; 2007.

SACKS, H.; SCHEGLOFF, E. A.; JEFFERSON, G. A simplest systematics for the organization of turn-taking for conversation. Language, v. 50, p. 696-735, 1974.

SELTING, M. On the interplay of syntax and prosody in the constitution of turn-constructional units and turns in conversation. Pragmatics, v. 6, n. 3, p. 371-388, 1996.

SILVA, L. A. Estruturas de participação e interação na sala de aula. In: PRETI, D. (org.). Interação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2003, p. 179-204.

URBANO, H.; FÁVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. C. V. O.; AQUINO, Z. G. O. Perguntas e respostas na conversação. In: CASTILHO, A. T. (org.). Gramática do Português Falado: as abordagens. Campinas: Editora Campinas, 1993, p. 75-97.




DOI: http://dx.doi.org/10.22168/2237-6321-12580

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


URL da licença: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/deed.es

Entrepalavras © 2012. Todos os direitos reservados.
Av. da Universidade, 2683, Benfica, CEP 60020-180, Fortaleza-CE | Fone: (85) 3366.7629
Creative Commons License
Entrepalavras (ISSN: 2237-6321) está licenciada sob Creative Commons Attribution-NonCommercial 3.0.