O Laboratório de Estudos em Linguística – LABEL, da Universidade Federal do Ceará, promove a Oficina de Constituição de Corpus Oral. A Oficina está dividida em dois módulos. O primeiro será ministrado neste próximo sábado, dia 21 de maio, pela Profa. Dra. Aluíza Alves, e tratará de técnicas de coleta de corpus: seleção de informantes, dados da ficha de informante, forma de abordagem, temas etc. As inscrições do primeiro módulo acontecem online até o dia 19/05/16, quinta-feira. O segundo abordará as formas de transcrição de dados orais e será ministrado pelo Prof. Ms. Alber Uchoa, no dia 18 de junho.
A iniciativa pretende contribuir para a formação de alunos de graduação e de pós-graduação em pesquisa de campo com o fim de coletar e organizar corpora orais. Ao final dos dois módulos, o aluno estará apto a participar da constituição do primeiro corpus a ser coletado pelo grupo de pesquisadores do LABEL.
Para falar sobre a Oficina de Coleta de Corpus, a Equipe Entrepalavras entrevistou a Dra. Aluíza Alves de Araújo, professora da Universidade Estadual do Ceará, organizadora do corpus Norma Popular Oral de Fortaleza – NORPOFOR e pesquisadora do Projeto Atlas Linguístico do Brasil-ALiB.
EP – Fale um pouco sobre a Oficina de Coleta de Corpus que você ministrará para o LABEL, na UFC, os subtemas que pretende abordar…
AA – Bancos de dados, histórico, PORCUFORT, que participei como bolsista; NORPOFOR, coordenando; o ALiB como pesquisadora. Apresento a relevância de constituição de bancos de dados, em seguida delinearei como são os procedimentos para isso: montagem, seleção de informantes, entrevistas e por fim amostras de entrevistas do ALiB e dos bancos de dados mais atuais que temos. Vou levar uns livros para sortear também.
EP: O PORCUFORT foi coletado na década de 80, não é?
AA – início de 90, 93 a 95.
EP – e o NORPOFOR?
AA – início do século 21, em 2003.
EP – Esse intervalo de tempo afetaria a linguagem a ponto de atrapalhar eventuais estudos que comparem os dois?
AA – Eles podem ser comparados, mas devemos lembrar que ambos têm natureza diferente. Um pertence à norma culta e o outro à norma popular, mas mas ambos abordam o falar de Fortaleza
EP – Sim, mas a distância temporal não seria uma variável fora de controle?
AA – Na perspectiva variacionista somente após uma geração (15 ou 20 anos) podemos falar de mudança. Uma vez que estes dois corpora existem, eles permitem a qualquer pesquisador coletar dados para estabelecer um confronto passado x presente. O mais difícil é termos acesso ao passado na língua. Com um banco de dados de 93, em 2003, já temos condições de voltar a campo e comparar os dados. O NORPOFOR é muito recente para ter uma amostra de recontato. Isso só pode ser feito, porque ele foi coletado em 93. Por isso é importante compor bancos de dados, porque eles ajudam a contar a história da língua. Temos no Brasil muita tradição em analisar dados em tempo aparente, mas poucos trabalhos em tempo real. Por quê? porque é preciso um espaço temporal. Isso pode ser resolvido com bancos de dados coletados em diferentes épocas, mas adotando o mesmo rigor científico.
EP – Sim, o que exige muito rigor.
AA – Leva tempo, pouco dinheiro, mas muita paciência (risos). Um pesquisador não pode se dar ao luxo de ficar sentado esperando 20 anos para coletar dados, principalmente porque a Capes não deixa (risos).
EP – (risos) como surgiu a ideia de organizar o NORPOFOR?
AA – Porque não tínhamos um correlato do PORCUFORT na modalidade popular, controlando as mesmas variáveis…
EP – Idade, registro e sexo?
AA – e escolaridade: nenhuma escolaridade, fundamental e médio.
EP – Então são 4 variáveis: idade, sexo, registro e escolaridade?
AA – o PORCUFORT tem 3, seguindo o projeto NURC. O Ceará não entrou no projeto do NURC, porque tinha menos de dois milhões de habitantes na época.
EP – Como foram estabelecidos os registros formais?
AA – No NORPOFOR, a maioria ocorreu em templos evangélicos.
EP – O EF do PORCUFORT eram aulas…
AA – Palestras.
EP – Aulas no popular?
AA – Aulas de professores de ensino primário que eram leigos. Teve missa também, teve de tudo (risos). O povo cearense é criativo demais!
EP – Como faria alguém que precisasse usar o NORPOFOR?
AA – Eu cedo o material para quem pedir, desde que a pessoa se comprometa a nunca revelar dados pessoais da vida dos informantes
EP – Qual a principal dificuldade para a constituição de corpus?
AA – O tipo de perfil. Uma mulher com mais de 50 anos, formada e filha de pais fortalezenses é uma raridade hoje. Mulheres discursando publicamente…
EP – Para manter o equilíbrio do corpus não é?
AA – Exato. Tivemos muita dificuldade com os perfis que elegemos.
EP – Imagino. E como faziam para localizar?
AA – Alguns são muito difíceis. Contatos sem o Facebook na época. Era o boca a boca. Hoje seria mais fácil talvez.
AA – Digo talvez, porque hoje pouca gente quer falar cara a cara (risos), preferem o zap. Teve gente que já me perguntou se não podia fazer via skype (risos) pra não ter que pegar trânsito. Entrevistar desconhecidos é sair da zona de conforto. Pessoas simples são muito receptivas, mas quanto mais dinheiro o informante tem mais desconfiado ele é (risos)!
EP – Então você teve poucos problemas com os informantes do NORPOFOR. Se bem que o critério era escolaridade e não classe social né?
AA -Tem gente que pensa que pagar o informante é uma boa (risos).
EP – Mas onde achar dinheiro?
AA – Nunca tirei um centavo para pagar por uma entrevista até porque não tinha (risos). Mas tem gente que diz: “não, eu não quero ter problema”. Aí não dá para pesquisa de campo (risos).
EP – Qual a importância da sistematização da coleta de corpora?
AA – Um corpus bem coletado é a certeza de que as afirmações em um texto, seja tese ou dissertação, são válidas e suportam uma refacção. Corpus sem critério de coleta é só para afundar o pesquisador mesmo (risos)!
EP – O que se tem feito hoje em termos de coleta de corpora?
AA – Bem nas outras áreas, não posso afirmar, porque não sei como estão tratando essa questão. Sei que, na área de linguística, tratar o dado oral é sempre uma espinha de peixe atravessada na garganta do pesquisador. É difícil. Se fosse fácil, ninguém estaria há anos quebrando a cabeça com isso (risos).
EP – Mas você acha que as outras áreas podem fazer uso de um corpus como o seu, por exemplo?
AA – Ah com certeza. Quase todos falam de Fortaleza antiga, falam de bondinho, de coisas que não existem mais, de ruas e hábitos que nem se imaginava, expressam o desgosto em relação à política… Falam de coisas da época da entrevista que hoje seria motivo de riso. Outro dia estava lendo uma em que o senhor falava que o Hitler quase invadia o Brasil, mas ele sabia pelos colegas militares que ele desistiu disso, porque ele achava o Brasil corrupto já naquela época (risos). Falam ali do Mucuripe, do centro Antigo. Eu acho um tesouro para historiadores.
EP – Aluíza, muito obrigada por sua disposição em responder às perguntas e muito grata em participar da oficina.
AA – Obrigada também!