O sexismo em acepções pejorativas em dicionários de português brasileiro
Resumo
Motivados por um debate coletivo, em outubro de 2019, quanto à dicionarização de um sentido vulgar para o lexema professora, decidiu-se refletir como os dicionários, enquanto suportes linguísticos, estabelecem semântico-discursivamente questões de gênero em português brasileiro. Assim, este trabalho descreve e analisa (não) ocorrências de acepções relacionadas à violência de gênero em dicionários de língua portuguesa para brasileiros. Para isso, tomamos o texto-anedota Injustiças da Língua Portuguesa, de autoria anônima e amplamente divulgado pela internet, que estabelece humoristicamente diferenças semânticas para sintagmas nominais como puto/puta, cachorro/cadela, o/a galinha, entre outros. Por meio de consulta lexicográfica, buscamos registros em diferentes dicionários, a saber: Ferreira (2009), Houaiss (2009), Aulete Digital (2007) e Informal (2014), os quais geraram uma codificação e permitiram um debate sobre sexismo e violência linguística. Como principal resultado, constatamos que parte considerável dos dicionários, tanto on-line quanto impressos, ratifica o perjúrio ao gênero feminino ao registrar acepções pejorativas, ao passo que, nas formas nominais do gênero masculino, costuma-se apresentar a acepção registrada na anedota, neutralizando aspectos pejorativos à masculinidade ou não atribuindo relação com sua sexualidade.
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DOI: http://dx.doi.org/10.22168/2237-6321-10esp2119
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