Lembro da primeira vez que vi uma mulher conduzindo um ônibus. Hoje isso parece algo pequeno até, mas lembro de minha estupefação. O espanto não era aquele temor estereotipado que, sempre que tem chance, ridiculariza mulheres ao volante, não.

O espanto era a felicidade de ver que as coisas, aos poucos, bem aos poucos mesmo, não vão só mudando, mas vão, principalmente, sendo mudadas. Quando imagino o dia-a-dia daquela mulher, tento imaginar a quantidade de comentários discriminadores e de desconfianças machistas aos quais ela é submetida frequentemente, tento imaginar o tamanho da motivação com a qual ela tem de se vestir todos os dias para driblar a intolerância (ainda que muita gente negue que haja intolerância) e continuar num lugar que, no Brasil, é cultural e predominantemente do homem: ao volante. Aquela mulher me lembra o dia internacional da mulher!

Que me desculpem as rosas, os discursos elogiosos e o clima de “dia das mães”, mas o real motivo do 08 de março, desde o primeiro a ser celebrado, não é a exaltação da maternidade, da fragilidade ou da beleza feminina. Muito menos é próprio desse dia esse quê de pontualidade que nos acostumamos a dar aos dias “comemorativos”. Mesmo que a historiografia divirja, é unânime que 08 de março foi instituído para lembrar à sociedade que mulheres precisaram e precisam lutar por direitos que não lhes são ou eram concedidos simplesmente por serem mulheres.

Parece que o dia internacional da mulher, que começou sendo o dia para lembrarmos das operárias de fábricas têxteis e que foi ganhando eco com lutas e conquistas feministas ao longo das décadas, foi midiatizado. Hoje, é mais bonito parabenizar a mulher pelo seu dia do que lembrar que mulheres são agredidas, mortas e violentadas física, moral, linguística e historicamente todos os dias por serem ou por se identificarem mulheres.

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 #08DeMarçoÉTodoDia | créditos: wikimedia 1 e 2 / blogspot / pixabay

Hoje, a mesma TV que coisifica a mulher todos os dias enche sua grade de homenagens tocantes e persiste com a exclusão de todas aquelas que, mesmo que se identifiquem como mulheres, ainda não são aceitas pela sociedade como tais; a mesma sociedade que reproduz piadas machistas e comportamentos misóginos dá uma espécie de trégua e diz “parabéns, mulher, pelo teu dia”. Mas amanhã tem novela, amanhã tem assédio no ônibus, amanhã os gritos animais de “gostosa!” no caminho pra faculdade voltam, amanhã a ignorância volta a gritar que travesti é “homem querendo ser mulher”, amanhã já não é mais dia da mulher para muitos dos que lhe dão rosas, hoje.

Por tudo isso, mais uma vez, digo que aquela mulher que conduzia o ônibus é que me lembra o dia internacional da mulher. Assim como a mulher divorciada que é difamada na rua, mas não deixa de viver sua vida sexual; a pesquisadora acadêmica que tem descobertas menos prestigiadas por ser mulher, mas não deixa de ter paixão pela pesquisa; a mulher que decide não casar ainda que a sociedade seja excessivamente matrimonial; a mulher que decide não engravidar ainda que a sociedade veja a mulher como uma reprodutora em potencial; a mulher que se relaciona com quem realmente a atrai, apesar dos rótulos e dos julgamentos estereotipados; a mulher que, independentemente do sexo biológico com o qual nasceu, se identifica mulher (Beauvoir já dizia que “não se nasce mulher, torna-se mulher”).

Por tudo isso, mais claramente, digo que o dia internacional da mulher é para que todxs (com “x” mesmo) lembrem que todo dia é dia de lutar pela igualdade de direitos que a constituição prega e que a realidade não vê, que todo dia é dia de questionar e problematizar o papel feminino na sociedade, que todo dia é dia de queimar sutiãs, porque não foi sem luta que a mulher começou a votar, não foi sem luta que a mulher começou a conduzir ônibus, não foi sem luta que o projeto de lei que torna crime hediondo o feminicídio foi aprovado e não vai ser sem luta que seguiremos adiante!

Mulheres, em vez de rosas, compartilho com vocês minha voz, espaço e apoio para que todo dia seja 08 de março. Pensemos!

equipe dawton


Dawton Valentim, o Tal Pensante, escreve blogs desde que o mundo é mundo. Falta espaço nele pra tanta poesia. Trabalha-estuda na UECE, é bolsista, faz 97coisasaomesmotempo, inclusive faz trabalho voluntário pra TI na Entrepalavras. Libriano agudo - com todo o charme da ascendência em Escorpião. Apaixonado por mídias digitais. Crônico por natureza.

 

 
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